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ARTIGO / 06 de outubro de 2023 - 08h 46m

Carta de Maria Quitéria aos feirenses do século XXI

Carta de Maria Quitéria aos feirenses do século XXI
Compartilhamento Social

Por Glauco Wanderley

 Recebi de um amigo – muito diferente de mim, que acredita e por isso vê o invisível – uma correspondência que a autora pediu que chegasse aos feirenses.

É de Maria Quitéria, que resolveu romper o silêncio, preocupada com o que vê e prevê. Não me estenderei na apresentação, para não atrapalhar as intenções da heroína, que merece ser ouvida, pois afinal não escreve em causa própria e sim preocupada com os conterrâneos, natos e adotados.

Feira de Santana, formosa e bendita, sei que o ideal teria sido enviar esta correspondência no mês passado. Combinaria melhor com as efemérides. No entanto foram estas mesmas que me mantiveram tão ocupada que não dei conta de escrever.

Em setembro invocam o meu nome o tempo inteiro. Primeiro por causa da independência da nação, depois por ocasião do aniversário da cidade.

Eu gosto dessa agitação, na verdade, porque não sei se vocês sabem, mas a vida é um pouco parada no paraíso, benza Deus. Neste mês é diferente, porque sou solicitada o tempo todo. Este ano até deram meu nome à tribuna de onde os vereadores discursam (ou pelo menos se esforçam) na câmara municipal. O sétimo mês tem sua graça, por causa do 2 de julho, mas também abundam os detratores que questionam meus feitos e motivações, então para mim, setembro é que é a melhor época do ano.

Deixemos de confidências, porque o foco aqui não serei eu.

Andei quieta por quase dois séculos, mas agora resolvi falar (escrever), preocupada porque daqui a 10 anos completaremos 200 anos da cidade onde tive a honra de nascer, onde sou nome de distrito, de avenida importante e etc. Me homenageiam tanto que seria uma grande prova de ingratidão se permanecesse calada diante de tudo que vejo (e antevejo) aqui de cima.

Porém minhas palavras serão de advertência e, convenhamos, só agora vocês estão começando a dar atenção neste país ao que as mulheres têm a dizer. Portanto, estas advertências, se fossem precipitadas, jamais seriam ouvidas.

O momento finalmente chegou. Em 10 anos não se faz tudo, mas pode-se corrigir muita coisa. O importante é que a gente chegue aos 200 anos vislumbrando um novo caminho. Ter um objetivo já será uma façanha, porque hoje sei que ninguém em sã consciência pode responder com certeza a uma questão simples e fundamental: “Para onde vai Feira de Santana?”

Sabe o que é pior? É que não está indo para lugar algum e vocês não estão percebendo. Eu daqui fico besta como as coisas mais comezinhas não são resolvidas. Semana passada mesmo, houve na Câmara um debate sobre o amplo uso de carroças que até hoje impera (ops!), como se vivêssemos ainda no tempo do Brasil Colônia.

Animais são massacrados, crianças fazem trabalho de carroceiros, carroceiros ganham uma miséria para retirar entulho da frente das casas até de gente rica, para jogar nos terrenos baldios ou no que restou daquelas lagoas que tantas vezes fizeram minha alegria (porque no século XIX não tinha aquecimento global mas já era bem quente, podem ter certeza).

Por Dom Pedro! Na mesma sessão, um vereador – por sinal batizado justamente com o nome de nosso libertador – lembrou que já vai fazer 30 anos que uma lei para tentar regular esse absurdo foi aprovada. Aprovada e esquecida. E isso é tão pequenininho, como é que vocês não conseguiram resolver? Não é preciso tropa, não é preciso pólvora e a coragem necessária é muito menor do que a coragem que a gente precisou ter para encarar o exército português.

Apesar de exaltarem meus grandes feitos, garanto a vocês que é de coisas pequenas em coisas pequenas que se chega nas grandes.

Até chegar no PIB, que é o conjunto de todas as riquezas (ou pobrezas) produzidas. Vocês sabem o que os dados mostram sobre o PIB de Feira de Santana? Que paramos no tempo. Nem eu que já morri quero parar no tempo, por que vocês fariam isso?

Deem uma olhada nos números. Peguei os últimos 10 anos do PIB, divulgados pelo IBGE. Uma década, para ninguém dizer que é amostra muito limitada, um quadro pontual. Todo ano o instituto apresenta estes dados, para cada um dos mais de 5 mil municípios brasileiros. Cabe a vocês olhar para eles e interpretar. As informações mais recentes são de 2020.

É incrível como encheu de gente esta cidade que na minha época ainda nem era um município autônomo. Em população hoje somos um dos maiores do país. 35º na contagem mais recente, do Censo que o IBGE divulgou no começo do semestre. A população em 2022 era 616.279 habitantes.

Quando se trata de PIB, no entanto, Feira cai bastante na posição nacional. Bem, o Nordeste tem a economia menor que o Sul e o Sudeste.  Então isso é um resultado mais ou menos previsível.

Mas no meu tempo não era não, viu? O que houve então? Justamente o que estou tentando alertar a vocês. Ficamos parados chupando cana aqui no Nordeste, levaram a capital do Brasil e tudo o mais para o Sul, e perdemos o bonde (não cheguei a conhecer um bonde, na verdade, mas vocês me entenderam).

Pelo menos, em defesa de Feira de Santana, podemos dizer que cresceu e cresceu muito, desde a minha época lá em São José das Itapororocas.

Porém a sensação que tenho agora é que estamos sem munição. Nos últimos tempos a posição relativa vem piorando entre os municípios do país. Dá uma olhada nos últimos 10 anos de estatística disponível:

 

ANO          Posição              PIB em bilhões

2011          73                         8,2

2012          76                         8,6

2013          69                       10,9

2014          68                       11,7

2015          71                       11,9

2016          69                       13,1

2017          69                       13,6

2018          68                       14,6

2019          74                       14,9

2020          76                       15,1

É comum para a maior parte dos municípios que a posição flutue um pouco, como ocorreu com Feira entre 2013 e 2018. Ao longo destes seis anos, oscilando entre a 68ª e a 71ª posição, pode-se dizer que praticamente não saímos do lugar.

Mas justamente porque ficamos marcando passo, marchando sem rumo, nos últimos dois anos veio a queda brusca em relação à posição nacional. Perdeu-se o avanço expressivo alcançado em 2013, ano em que a cidade subiu sete posições e parou de melhorar.

Em 2019, voltamos ao ponto em que estávamos no começo da década. A tendência de queda foi reforçada no ano seguinte, ano de pandemia, quando mais duas posições foram perdidas e Feira teve sua classificação mais baixa da década: 76º município do país em PIB, como tinha sido em 2012.

Avaliem se não estamos com problema. Mas não demorem. Diferente de mim, vocês não têm todo o tempo do mundo.

 


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