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Feira de Santana / 09 de julho de 2020 - 01h 56m

Cem anos de um Santo na terra

Cem anos de um Santo na terra
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Dandara Barreto
e-mail: [email protected]

Se te perguntarem quais foram as coisas mais importantes que aconteceram nos últimos cem anos, certamente, você se lembrará do que os livros de História te contaram.

Em cem anos, o mundo viveu duas pandemias, uma guerra mundial, 21 copas do mundo. O rádio chegou ao Brasil, posteriormente, a televisão. A mulher conquistou o direito de votar. O Brasil sofreu um golpe militar e reconquistou a democracia. Veio o advento do computador, depois, o da internet. A tecnologia passou a estar na palma da mão.

A história contada tem muitas páginas. Mas, e a história vivida?

Corinto Alexandre Moura sabe bem como é. Ele está completando 100 anos. Conhece a sensação de ter vivido cada acontecimento citado e se lembra bem, afinal, lucidez não lhe falta.

Valquiria Moura, sua filha, criou um perfil no instagram e alimenta com vídeos cheios de memórias. Em um deles, Seu Santo contou que o que o marcou mesmo, foi a Segunda Guerra Mundial. A riqueza de detalhes e datas impressiona.

“Em primeiro de setembro de 1939, Adolf Hitler declarou a Segunda Guerra Mundial. Entrou a Rússia, os Estados Unidos e o Japão e durou até 1945. O General Mascarenhas de Moraes, comandante da Força Aérea Brasileira, com 12 aviões, que ganharam o nome de Cruzeiro do Sul, bombardeou a capital da Alemanha, Berlim, e venceu a Alemanha. Em 1948 eu estive doente e fui a Salvador me tratar e pude assistir, na Barra, o governador Otávio Mangabeira fazer uma demonstração de como foi o bombardeio. Ele botou uma quantidade de tonéis vazios, representando Berlim, e o general Magalhães levantou voo dos 12 aviões e fez um percurso de 3 quilômetros no ar e descarregou bombas artificiais em cima dos tonéis. Foi uma coisa fantástica. A Barra estava lotada e eu estava lá”, comemora.

Seu Santo, como é conhecido, esbanja simpatia e poesia. Adora criar e recitar versos. Vestido na sua roupa branca e com seu chapéu Panamá na cabeça, exibe o talento que tem com as palavras. Ele diz que não sabe ao certo o motivo de ter o apelido de Santo, mas desconfia:

“Acho que é por que eu era bondoso”.

Quando perguntado qual a receita de viver tanto, ele diz que se ela existisse, fazer 100 anos não seria tão raro. Religioso, para ele, o segredo da longevidade é o consentimento de Deus.

“Tá na cara que é Deus quem dá o consentimento. Não é por isso. Nem por aquilo, não. Eu fui uma pessoa que lutei muito na vida e cheguei nessa idade com muita ajuda. Houve crises também, mas eu venci”.

Seu Santo nasceu em 9 de julho de 1920, em Riachão do Jacuípe, cidade a 78 km de Feira. Na juventude, mudou-se para a cidade de Gavião, onde conheceu sua esposa, dona Odália, já falecida. Ele lembra que até se casar era muito namorador e vaidoso. “Eu botava a minha gravata, o meu paletó e ia para a frente do espelho e adaptava a frase do poeta Castro Alves: – “Tremei! Tremei, pais de família! Santo Moura vai sair”.

Ainda hoje, a vaidade é uma característica forte em Seu Santo. E não é pra menos. Seu charme virou até um versinho pouco modesto.

“Santo Moura é charmoso, ninguém pode dizer que não. Santo Moura é charmoso em Feira e charmoso no saudoso Gavião”, recitou.

Ele conta que durante a juventude, trabalhou na roça e garantia o sustento dos seus muitos filhos com uma máquina de moer sisal.
Em 1974, trouxe seus filhos e esposa para Feira de Santana, para que eles pudessem estudar.
E obteve êxito. Todos tiveram acesso aos estudos e boa parte deles concluiu o ensino superior e até pós-doutorado (com título de verdade).

Sobre o momento que estamos vivendo, Seu Santo diz que o jeito é passar por tudo isso, mas conta que sente falta de ir no Centro de Abastecimento.

“Estou passando por esse momento aqui, sem fazer coisíssima nenhuma. Antes eu podia ir no Centro de Abastecimento passear, agora isso acabou, mas outro jeito não tem”, lamenta.

Os festejos do seu centenário foram antecipadamente planejados pelos seus 15 filhos (13 biológicos e 2 adotivos), 16 netos, 8 bisnetos e 2 tataranetos, mas, a pandemia do novo coronavírus, impediu que a família se reunisse para abraçá-lo. Mas, apenas a forma de comemorar mudou. 100 anos bem vividos não poderiam passar em branco. Ainda mais depois de ter vencido bravamente uma Chikungunya que contraiu há cerca de dois meses. A doença é conhecida pelas dores e limitações que costuma causar, mas, nem mesmo isso conseguiu impedir as comemorações.

A família decidiu celebrar a vida de Seu Santo do jeito que dá.
O dia começou com uma missa celebrada especialmente para ele e transmitida pela internet. Ao longo do dia, recebeu o carinho dos amigos e familiares, além de ter dado diversas entrevistas.

O discurso para o momento dos parabéns foi preparado e ensaiado por ele, semanas antes do grande dia e até hoje, foi mantido em segredo. Ele queria fazer surpresa para a família, mas antecipou um trechinho para a nossa reportagem. E adivinhem… É em forma de poesia.

“Hoje, 9 de julho, nesta maravilhosa data, eu botei a minha presença de fora, comemorando num espaço de várias horas e para voltar de novo, para comemorar 101 anos junto com a minha família e o povo em mais um ano de demora”.

A longevidade, a lucidez, o bom humor e a poesia de Seu Santo, são como um bálsamo em tempos tão difíceis como estes que estamos vivendo.
Ele superou e virou muitas páginas tristes da história. A lembrança, que muitas vezes traz dor, também traz aprendizado e esperança de que tudo passa e isso também passará.


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