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CRÔNICA / 05 de maio de 2023 - 10h 03m

O BAILE REAL

Compartilhamento Social

POR CAIO BATISTA

Seguindo a recomendação dos súditos que estiveram na estreia desta coluna há 15 dias, fui ao baile oferecido pela Princesa. E que baile, meus amigos, que baile!

Há três anos ele não acontecia – extraoficialmente, já são outros quinhentos… – e neste ano veio com novidade: os quatro tradicionais dias de folguedos foram acrescidos da manhã de segunda-feira, 24/04, quando o rapaz Thiago Aquino – um dos topetes mais bem cuidados da cidade – animou uma multidão pelo Circuito Maneca Ferreira, puxando o 1º Arrastão que fechou com chave de ouro a Micareta 2023.

Entre as capciosas situações presenciadas na folia real, uma me intrigou bastante: durante uma atividade e outra no meu labor, ouvi o anúncio de uma atração que se aproximava num trio sem cordas. Ainda não se conseguia ler o letreiro neon afixado no topo da fobica, mas o simulacro de samba-de-roda que ecoava dos falantes me era extremamente familiar. O timbre do vocalista também foi prontamente assimilado, sobretudo quando ele começou a entoar todos os seus tradicionais e lascivos melismas – “Aí, aí, aí… Aí, aí…” – acrescidos de um acachapante e imperativo “IÊ, Ô, CHORA VIOLA! IÊ, Ô, BOTA A VIOLA PRA CHORAR!”. Todos os presentes naquele recanto da avenida Presidente Dutra já estavam com as canelas devidamente amoladas, só esperando o cortejo chegar mais perto para iniciar o mete-dança. Homens de poder se deliciavam com os últimos quitutes antes de se direcionar às pressas para as varandas dos camarotes de corporações oficiais e da imprensa local, calibrando os seus olhares clementes em direção à atração, ansiando por um “alô” diante do potencial eleitorado – alguns ainda arriscavam uma performance, em pleno desaprumo coreográfico, para galhofa dos presentes. Era iminente a chegada do trio elétrico por ali e, finalmente, já podíamos ler o letreiro: XANDDY.

Confesso que fui tomado de uma desoladora surpresa e pus-me à inevitável reflexão. Não podia imaginar que aquele apoteótico conjunto vindo da Capelinha de São Caetano, teve sua nomenclatura reduzida a XANDDY. O tal rapaz que agora nomeia o grupo tem lá o seu o seu prestígio artístico, não estou aqui para contrapor isso: ele não é apenas o simbólico cantautor da formação, como também é o penitente que se besunta em vaselina e usa aquelas confusas pantalonas de capoeirista para envolver o enfurecido público feminino. Também vale destacar a sua disposição em garimpar – aos solavancos – sabonetes num tanque, no quadro Banheira do Gugu, nas saudosas tardes dominicais da TV aberta dos anos 90, junto com o conterrâneo Cumpade Washington e o cantor e sexy symbol Ovelha.

Longe de mim querer questionar a sua importância para o grupo e tudo bem que o rapaz em questão tenha seus trejeitos de showrunner, vá lá, mas a instituição HARMONIA DO SAMBA é um organismo completamente indissociável da conjuntura cultural do país e que não deveria jamais ser sumariamente sepultado. Não se pode dissolver tudo aquilo que já foi construído com essa nomenclatura ao longo das últimas três décadas. O HARMONIA DO SAMBA repousa resplandecentemente na mesma abadia cultural de instituições como o SR. ALTAS HORAS(Serginho Groisman) ou a CANTORA SANDY JÚNIOR (detentora legal do CNPJ daquele rapaz cenográfico que dizem ser o irmão dela). É urgente o respeito a essas entidades.

No caso do grupo soteropolitano, incide ainda uma questão de ordem educacional: qualquer cidadão de bem sabe que todos os discentes de Educação Física pleiteiam o curso justamente pela oferta de uma elementar disciplina chamada HARMONIA DO SAMBA – as ementas de qualquer curso superior nessa área estão aí para não me deixar mentir.

Extinguir a entidade HARMONIA DO SAMBA é impor não somente a decadência assistida da Educação Física no Brasil, mas o fim do FitDance; da zumba vespertina das mães de família; do elo que sustenta jovens e pessoas da terceira idade nos churrascos; e o fim da atração da mulher pelo homem baiano, o que prenuncia o colapso da reprodução neste solo lavado de dendê e atesta o que Margaret Atwood previu quando escreveu o – agora nada distópico – “Conto da Aia”.

Façamos votos que no próximo ano os responsáveis pela curadoria do evento não cometam uma temeridade desse nível. É nesses momentos que sentimos falta de uma coalizão cultural que contasse com o posicionamento altivo de um trovador como o saudoso Márcio Punk (que era punk e beatnik ao mesmo tempo), que certamente faria uma poesia-marginal a ser declamada por um sacerdote experiente e com dicção vigorosa como o Pastor Moisés (aquele mesmo do mantra pacifista TEEEEERRA) para lançar luz e impedir que questões como essa manchassem o prestigioso baile anual da Princesa.


*Caio Batista é um jornalista baiano que escreve sobre o recôncavo e agora sobre Feira de Santana.


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